É necessário estar preparado

 


Somos um país de coitadinhos, acomodados, obstinados e não só. Quando as coisas estão bem, não acreditamos e fazemos de tudo para abalar, quando o enterro vai no adro, não mexemos uma palha e adoramos criticar quem mexe. É uma filosofia de vida? Estou em crer que é menos social e mais individual, uma falha na natureza tuga. Talvez a culpa seja da localização geográfica. Talvez seja, antes, de um eczema nos neurónios na altura da conceção nacional ou então, pode ainda ter sido culpa dos louros e da projeção que tivemos na época dos descobrimentos... Ainda dentro da nossa natureza, levamos a vida numa perturbação bipolar, de casa pró trabalho, do trabalho prás férias, das férias pró sono! Coisas nossas! E vamos do rir ao chorar numa pernada só...alô tugolândia: - O futuro a Sócrates pertence?


Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. (…)
(…) Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo cético e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos atos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se maldando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.

Guerra Junqueiro, 1896, in Pátria

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