Futuro comprometido




Opinião de Ana Porfírio


Para a semana é Natal e eu confesso que gosto do Natal, muito mesmo. Não sendo católica ou de outra religião, sei que o Natal é muito mais que uma Festa cristã, é uma festa de família de afectos, de esperança. De qualquer das formas até acho que se deve de celebrar o nascimento de uma criança, porque cada criança que nasce em si só é um milagre, o milagre da vida.
Esta época sempre mexeu comigo, arrasta consigo recordações, sabores, cheiros, as recordações da magia da infância, da expectativa do que estaria na chaminé, os sabores daquelas iguarias que, embora se possam fazer em qualquer altura do ano, ganham um sabor especial nesta altura, os cheiros, de açúcar e canela, claro, de ramos de pinheiro, sempre vivos sempre verdes.
No entanto, pondo de lado essas coisas, este ano não sinto aquele frenesim habitual. É verdade que me vão faltando pessoas ao redor da mesa de Natal, isso pesa, o entusiasmo calado do meu pai, o entusiasmo activo da minha tia, o esticar as filhoses em conjunto, um grupo de mulheres ligadas por laços familiares de gerações diferentes, o trocar o prato das nossas filhoses com a vizinha, com outra familiar.
Mas ainda assim, pondo de lado essas faltas, este Natal falta mais ainda ou então sobra, sobra a apreensão face ao futuro, sobra a noção clara e exacta que, por muito que queira ofertar pequenas lembranças, simbólicas, só cheias de significado e carinho, é melhor não o fazer, porque, mais que nunca as histórias que ouvi de privações, de Natais de fome, contadas como contos tenebrosos e passados, parecem aproximar-se cada vez mais da realidade.
Este ano será raro o lar onde não se vive uma situação de desemprego, onde se pensará se vai ser já em Janeiro que não se vão cumprir todas as obrigações ou que se vai deixar de ter como certo o salário. Em muitos lares, na maioria atrevo-me, far-se-á um esforço de normalidade, com uns doces na mesa e prendas para os mais pequenos.
Os doces poderão trazer consigo um sabor rançoso e amargo de um passado que não julgávamos possível de se repetir. Os presentes ficarão aquém do que queremos dar, um futuro, porque é isso que nos estão a tirar, se deixarmos!

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